Uma viagem ao Jalapão
Antonio Carlos de Almeida e Paulo Rogério Bagdonas
Sou proprietário de uma Ranger 2000 4X4 SuperCab Turbo Diesel e moro em Embú,
São Paulo. Após percorrer varias trilhas em diferentes cantos (Ibitipoca, Serra da
Canastra, Serra da Bocaina, Visconde de Mauá, Cabo Frio, Juréia), sem encontrar muitas
dificuldades, resolvi arriscar ir para lugares mais inóspitos. Eu (Toninho) e um amigo
(o Dois) resolvemos ir para o deserto do Jalapão,no estado de Tocantins, passando no
caminho na Chapada dos Veadeiros em Goiás e,quem sabe se tudo corresse bem , daríamos
uma esticadinha até a Serra das Confusões e a Serra das Capivaras no Piauí. |
Reunimos várias ferramentas como pá, machado , marreta, catraca de quatro toneladas, cordas e
cabo de aço, um macaco hidráulico, chave de roda e estepe sobressalentes, um
GPS E-Map da Garmin, dois galões com 50 litros de diesel cada e equipamentos de
camping. Estávamos bem equipados, mas um detalhe ainda me tirava o sono, o
carro agüentaria? Geralmente se faz estes tipos de aventuras em dois ou mais
veículos, mas nós arriscaríamos ir em apenas um veículo.
Saímos às 15
horas de São Paulo , parando para dormir em Caldas Novas – GO. No dia seguinte
acordamos cedo e fomos direto para Alto Paraíso de Goiás, lá chegando,
arrumamos uma pousada (Pousada do Sol, aliás muito boa) e antes que anoitecesse
fomos visitar a cachoeira Almécegas.
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Na manhã do dia seguinte fomos para o Parque Nacional, que
aliás é uma visita imperdível devido à beleza de seus canions e cachoeiras.
As paradas para uns mergulhinhos são obrigatórias.
Para entrar no Parque é obrigatório o acompanhamento de um guia credenciado, ajudando dessa
forma a preservar a natureza e os turistas, e também a economia local. A
estrada que dá acesso ao parque é de terra, ou melhor dizendo de uma poeira
finíssima, sendo que a visibilidade cai a zero quando se cruza um outro
veículo. O guia nos alertou para acender os faróis e não abusar da velocidade,
pois já havia vários casos de acidentes fatais.
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Depois de ver as principais formações, almoçamos e fomos para o Vale da Lua.
A erosão das águas deixou as pedras da região com uma aparência lunar e esquisita. |
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No dia seguinte, com a ajuda de uma planilha, obtida no site
do Clube do Picapeiro, fomos até o Vale dos Macacos, a trilha tem trechos bem
acidentados , mas a buraqueira compensa. É sem dúvida a região mais bonita e
selvagem da Chapada. |
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De Alto Paraíso de Goiás, seguimos rumo à Campos Belos pela
BR-010 , no caminho avistamos da estrada a cachoeira Poço Encantado. Por que
não? Após um banho, prosseguimos viagem.
De Campos Belos, passamos, sempre por asfalto (muito bom) , pelos municípios
de Arraias, Conceição do Tocantins, Príncipe, Bonfim e Natividade, onde após 24km
pegamos uma estrada de terra até Ponte Alta , passando antes por Pindorama, estrada
que, exceto pela poeira vermelha, estava em ótimas condições. Com a tração
ligada para maior firmeza de direção chegávamos a 100 km/h em determinados
trechos.
Ponte Alta de Tocantins (S 10.7410 , W 47.5364) é considerada
a porta de entrada do Jalapão, oferendo uma estrutura razoável para os
turistas, com pequenas pensões e um hotel. Ao contrario do que tínhamos
pesquisado, descobrimos que já existe um posto de gasolina na
cidade. Enchemos o tanque, e fomos nos hospedar no único hotel da cidade.
Pegamos mais dicas sobre os principais
pontos de interesse com a proprietária do hotel, inclusive ela nos deu um xerox
de um mapa feito à mão com as atrações da região.
Acordamos cedo e
pegamos a estrada em direção à Mateiros. Aproximadamente 10 km rodados, encostamos
para procurar a cachoeira Sussuapara (S 10.6527 , W 47.4457) que fica à direita
da estrada dentro de uma espécie de gruta. Voltamos para a estrada, à procura
da Cachoeira do Brejo (S10,6838;W47,2488), rodamos mais uns 26km, e viramos à
direita em direção a uma fazenda, na última porteira, diante da sede da
fazenda, viramos novamente à direita, a trilha seria boa, se você estivesse à
cavalo ou à pé. Tração engatada e pé no fundo, para não afundar nos areiões, é
necessário andar sempre embalado. A Ranger se mostrava valente, e eu ficando
cada vez mais confiante.
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Após vários trechos de mato rasteiro (a trilha às vezes
desaparecia) chegamos em um riacho, foi só parar e procurar a queda
d’água. Após um relax na cachoeira, preparamos o almoço. Depois de almoçarmos,
fomos procurar a cachoeira do Lajeado (S 10.65382, W47.2838).
Voltamos em direção a sede da fazenda, desta vez lá chegando
encontramos o caseiro, este nos chamou para conhecer a fazenda, colhemos cajus
maduríssimos, e descobrimos que já tínhamos passado a entrada da cachoeira do
Lajeado, teríamos de voltar em direção à Ponte Alta e virar a esquerda em uma
trilha cuja referência era um pau com uma lata de cerveja na ponta. E não é que
nós achamos! É impossível chegar e não tomar um banho no poço da cachoeira, o
calor era infernal (se não fosse o ar-condicionado da Ranger teríamos cozinhado
os miolos).
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De volta na estrada, sentido Mateiros, prosseguimos em direção
ao destino final do dia: a Cachoeira da Velha. Rodamos mais uns 28 km e
entramos à direita em uma estrada cascalhada com pedras grandes e afiadas
(trecho em que há grande perigo de se rasgar os pneus) em direção a Fazenda
Tri-Agro (que pertencia a uma quadrilha de traficantes, S-10,304888;
W-46,94770), chegando lá pedimos autorização para o caseiro, que abriu o portão
nos indicando o caminho e alertando: são 10 km de areia fofa. Nesta altura do
campeonato já estava ficando craque em dirigir na areia, é só não deixar o
carro parar. Ao chegar próximo ao Rio Preto há inúmeras trilhas , lembrando um
labirinto, a maioria leva a pontos possíveis de levantar acampamento.
Escolhemos um lugar aprazível e encostamos (S-10,271669;W-46,87947). Após
arrumar o acampamento, e catar lenha, fomos dar uma volta de reconhecimento,
para encontrar a “pequena queda d’água” .
Não precisamos procurar muito, descendo o rio o barulho da queda vai
aumentando, até que você se depara com um verdadeiro espetáculo da natureza. O
volume de água que se atira dos 25m de altura é absurdo, parecendo uma miniatura
de Foz do Iguaçú. A queda toda tem o formato de uma dupla ferradura.
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Depois da
cachoeira, se você continuar pelas trilhas laterais vai encontrar uma escada de
madeira, que leva a uma bela e ampla praia.
Voltamos para o
acampamento e jantamos enquanto um belíssimo por-do-sol ia se desenhando sobre
o rio. Eu dormi em minha barraca, já o Dois, que tinha trazido apenas um
colchão velho e um saco de dormir , dormiu, banhado de repelente, ao ar livre.
De madrugada fomos acordados por uma raposa que veio fuçar em nossas panelas
sujas, foi apenas o susto, ao acender a lanterna o bicho fugiu.
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Acordamos cedo, nadamos mais um pouco, e nos preparamos para levantar acampamento. Voltamos, em
direção a Tri Agro, por uma trilha diferente, paralela ao caminho da ida, só
que muito mais fofa, como não havia ninguém para confirmar o caminho tínhamos
que confiar no GPS. Bendito aparelho, fomos sair em um outro portão da Fazenda,
mais a esquerda do anterior. Novamente na estrada principal seguimos em direção
à Mateiros, mais uns 43 km, destino: Praia do Evangélico
(S-10,488667;W-46,793152). Inacreditável, desta vez, havia uma plaquinha
indicando o caminho, entramos à direita e após 15km de areia e mato chegamos a
uma enorme praia de rio, que tem esse nome por servir de local de acampamento e
reuniões para grupos evangélicos. Uns evangélicos que se encontravam por lá nos
alertaram para não ficar nas margens cobertas de mato, ficar sempre nos locais
margeados por areia, pois havia o risco de encontrarmos sucuris, ou pior, as
sucuris nos encontrarem. Há uma trilha que leva a um ponto mais acima do rio,
onde, de lá, pode-se entrar e descer boiando, até a praia maior, valeu a pena.,
a água estava deliciosa. |
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Passava do meio
dia, o sol novamente judiava de nossos miolos, entramos no carro, ar e tração
ligadas, e lá vamos nós em direção à próxima aventura, voltamos para a estrada
principal, atravessamos a única ponte de concreto que existe no Jalapão, a
ponte sobre o rio Novo (S-10,55569;W-46,75950), e paramos a esquerda beirando o
rio, em outra praia e preparamos o almoço. |
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Durante o
almoço, entrei em pânico, as cervejas geladas acabaram. Começava a sentir
necessidade de um pouquinho de civilização. |
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Conforme avançávamos em direção às dunas (-10,565017;W
-46,661768) a estrada ia ficando cada vez mais empoeirada, no Jalapão, as retas
a perder de vista, são um espetáculo à parte e um prato cheio para rally. No
caminho a lagoa Preta (com a Serra do Espírito Santo ao fundo) indicava que
estávamos na direção certa.
De repente, após uma curva, damos de cara com uma montanha de areia, o Jalapão
novamente nos surpreendia, imbiquei o carro em uma duna, e saímos para dar uma
volta nesse mar de areia.
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Parecia que estávamos andando em um deserto, estudos comprovaram que a milhões de anos
atrás esta região foi um oceano; isto explica a quantidade de areia. Os
geólogos dizem que essas dunas se originaram do material erodido pelo vento da
Serra do Espírito Santo. Caminhamos,
atravessando as dunas até encontrar um riacho no outro lado. Voltamos, tomamos
um litro de água cada um e resolvemos prosseguir viagem. Tínhamos que chegar a
Mateiros antes que anoitecesse e ainda faltavam aproximadamente 30 Km.
O trecho que se seguiu foi o pior , até então, os bolsões de areia fofa, eram
mais constantes e maiores, várias vezes pegávamos pequenos desvios laterais
pelo mato, que evitavam os piores atoleiros. Contornando a Serra chegamos em
Mateiros ao anoitecer. Nos hospedamos na única pousada do vilarejo, que, comparada
com a cidade, tinha acomodações e comida bem honestas. Acordamos e nos
informamos como chegar no Fervedouro e na Cachoeira da Formiga. Iríamos com
dois fazendeiros de Goiânia, que estavam hospedados na mesma pousada, e
procuravam terras para comprar com possíveis atrações turísticas. O fazendeiro
tinha vindo por Ponte Alta também e disse que não agüentava
mais cavar para desatolar a caminhonete. Tinha atolado a D20 doze vexes.
Bendita Ranger ! Até o momento não tínhamos atolado nenhuma vez.
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O Fervedouro (S -10,372327;W -46,5248359) fica a uns 25 km de Mateiros, é uma
pequena lagoa de água cristalina e areia fina e branca cercada por bananeiras.
A pessoa vai entrando em direção ao centro,
com água na altura do joelho, de repente, não dá mais pé e você afunda,
e, inacreditavelmente a água nasce com tanta força, que te joga para cima , ou
seja, fica-se boiando em pé, um barato!
Saindo do Fervedouro resolvemos visitar o
povoado de Mumbuca (S -10,346718 ; W -46,574510) formado por descendentes de
escravos e famoso por seu artesanato de palha de capim. Infelizmente o filme
com as fotos do povoado, estragou com a entrada de água na máquina. As casas
são palhoças feitas de barro. Em uma delas encontramos uma senhora, Dona Miúda,
que nos ofereceu algumas peças. Compramos um chapéu, uma bolsa e uma
cuscuzeira. Quando estávamos partindo a senhora veio me pedir remédio para dor
de cabeça e gripe: dei meu estoque de aspirinas para ela e fomos embora.
Voltamos para a estrada principal e prosseguimos em direção à Cachoeira da Formiga
(S10,333639;W46,470580) que fica dentro de uma fazenda. Chegamos na hora
do almoço e morrendo de fome, a taxa de visita cobrada pelo caseiro (figuraça
do Gili), era de R$1,00 por pessoa. A cachoeira impressiona pela cor e temperatura
da água (28 graus). Perguntamos pro Gili se eles serviam algum tipo de
refeição, e ele perguntou que se a gente gostava de frango. Feito. Daqui a
pouco passa correndo um garoto atrás de uma galinha, ou melhor, atrás do nosso
almoço. A galinhada estava deliciosa.
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Depois do almoço, Gili se ofereceu para nos
guiar até a nascente do rio (S -10,3228258;W -46,4650508), que ficava a 2,5Km
por uma trilha à pé. Fomos, mergulhamos e fotografamos , o local é parecido com
o fervedouro tamanha a quantidade de água que brota, só que o fundo é composto
de pedras coloridas.
Próximo a este
sítio, ficava a cachoeira do Vicente. Novamente Gili se prontificou a nos guiar
até lá. Seu Vicente é um mineiro que resolveu comprar esse sítio para explorá-lo
turisticamente. Na realidade em suas terras ficam várias corredeiras formadas
pelo mesmo Rio Formiga, muito boas para tomar um banho e se refrescar. Seu
Vicente construiu um bar junto a sua casa, e conversa vai, cerveja vem, quando
levantamos para ir embora já era de noite. Optamos então por armar acampamento
às margens da cachoeira da Formiga, mais um mergulho e cama.
Acordamos cedo e
voltamos para Mateiros. Decidimos que o nosso próximo destino seria o Parque
Nacional da Serra das Capivaras e, talvez, o Parque Serra das Confusões. Em
Mateiros tínhamos duas opções: subir em direção a Novo Acordo, passando por
Palmas, subindo até a BR230 e de lá até Floriano para daí descer em direção à
S.Raimundo Nonato, ou então, dar ouvidos aos moradores que garantiram que
existia uma trilha de 100 Km que, apesar de não constar em nenhum mapa, nos
levaria ao asfalto na divisa do Piauí com a Bahia, num local chamado Coaceral
(S), onde de lá poderíamos pegar a Transpiauí (isto nos pouparia uns 800Km). O
dono a pousada nos alertou, que o caminho era um “areão bravo”, deserto, mas
que não tinha como errar. Enchemos o tanque com o combustível dos galões e...
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Ar e tração ligados, resolvemos arriscar. No caminho, uns 14km
depois de Mateiros, nos informaram que havia a cachoeira do Hortêncio
(S-10,60118;W-46,367138), mas que o local, por ser pouco visitado, era difícil
de ser encontrado. Seguindo as dicas do dono da pousada e conseguimos chegar.
Mais uma parada e mais um mergulho e, continuamos em direção ao Piauí. |
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Meus amigos, não demorou muito para entendermos o que era um “areão bravo”.
Os caminhos
trilhados até o momento pareciam uma autobahn comparado com a buraqueira que
tivemos que enfrentar. Era uma mistura de crateras com areia, se tornava
difícil manter o carro embalado no meio de tanto buraco. De uma hora pra outra
a trilha acabava em enormes ravinas feitas pela erosão da chuva, tínhamos que
retornar e procurar por desvios. O GPS foi fundamental para nos manter
alinhados na direção correta, porque simplesmente não havia nada vivo por perto
para se perguntar o caminho. Tivemos que atravessar vários riachos, que por ser
época de seca, não eram muito fundos, e várias pontes precárias e duvidosas
(foto Rio Galhão S-10,545648;W-46,1287798). |
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Certo momento,
para meu desespero, comecei a notar que o carro estava perdendo potência, para
atravessar trechos muito fofos, tinha, as vezes, que reduzir para primeira. Se
pisasse fundo o motor não respondia, e só se via um fumaceiro preto saindo no
escapamento.
Cento e dez quilômetros
depois de tanto chacoalhar e bater a cabeça no teto da Ranger, conseguimos
chegar a Coaceral, que é na realidade uma cooperativa agrícola de cereais.
Entramos no asfalto e o carro continuava sem força, não conseguia passar de 80
Km/h. Teria danificado o turbo? O intercooler? Encostei em um entreposto de
fiscalização abri o capo, e comecei a conjeturar. Um estalo, e resolvi
verificar o filtro de ar. Qual não foi minha surpresa ao descobrir que este
tinha se transformado em um tijolo de barro. Depois de arremessá-lo sucessivas
vezes contra o chão, deixando-o mais leve e limpo, coloquei-o de volta e... bingo!
Era novamente o motor parrudo que eu conhecia.
A Transpiauí
deve ter sido uma boa estrada, a uns vinte anos atrás. Hoje ela é uma mistura
de resto de asfalto com estrada de terra. É interessante notar os meninos (e
até marmanjos ) que ficam na beira da estrada com uma pá. Quando eles vêem você
se aproximando eles jogam terra nos buracos e estendem a mão, pedindo moedas.
Anoitecia, e como há perigo de assalto, em
trechos muito esburacados, resolvemos dormir em Bom Jesus. Meu Deus que cidade
desarrumada, dormimos (ou tentamos) num pulgueiro, acordamos cedo, e
continuamos para tomar café em Cristino Castro, que é uma cidadezinha turística
e cheia de belas pousadas, famosa por seus geisers, que em tempos áureos
chegavam a jorrar a 60m de altura. Pessoalmente, não vi nada de espetacular, os
geisers não passam de poços artesianos, com grande pressão, com válvulas para
ligar ou desligar o jorro de água. Ao tomarmos café perguntamos a uns
motoristas de táxi, se havia alguma estrada que ia sair em Caracol. Uns
disseram que sim, outros disseram que a trilha não existia mais, a erosão e os areões
tinham acabado com o caminho. Pegamos o máximo de informações possíveis e resolvemos
arriscar.
Seguimos
adiante, pela Transpiauí, mais uns 12 km, e viramos a direita em uma rua de
terra, indo em direção à Japecanga. Tranqüilo, vinte quilômetros depois
estávamos lá, pedimos informação, falaram que tínhamos de ir em direção ao
Capim e de lá pegar a estrada que ia para Caracol. Foi a pior parte de toda a
aventura, a mais cansativa e a mais estressante. Havia muitas bifurcações, por
diversas vezes tivemos de voltar, para pegar outro caminho (sem a ajuda do GPS
teríamos simplesmente nos perdido). Em um ponto , a morro tinha desabado e
tivemos de procurar um desvio. A buraqueira, em trechos de serra, era tão
grande, que o carro batia ora o fundo, ora o bico (o radiador de óleo chegou a
ficar meio torto). No trecho de caatinga, tínhamos areia fofa, e uma vegetação
composta cem por cento de espinhos. Como a trilha era estreita, os espinhos
estavam riscando a pintura do carro,
tivemos então de improvisar umas proteções laterais, forrando os pára-lamas
e portas com plásticos e lonas. Depois de 140 Km de suor e poeira (não podíamos
subir os vidros devido as amarras do plástico da porta) passando por lugarejos
que lembravam imagens da Etiópia, tamanha a miséria, chegamos em Capim (um
amontoado de casas de taipa). Mais informações e prosseguimos em direção a
Caracol. Disseram que tínhamos de atravessar uma serra de pedra cujas subidas
eram muito ‘fortes’. Não demorou muito e avistamos a tal serra de pedras.
Concluímos então que já estávamos dentro do Parque Nacional da Serra das Confusões.
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Como ficamos
sabendo depois este parque, que foi o último parque nacional a ser criado
existe apenas no papel, não possuindo placas, nem nenhum tipo de fiscalização.
A estrada que sobe essas montanhas de pedra foi recortada na picareta, e realmente
são muito íngremes, o carro foi reduzindo até parar. Pela primeira vez na
viagem tive que engatar a reduzida. Que maravilha, dava a impressão que
estávamos escalando uma parede. Paramos no topo para mais umas fotos e
prosseguimos, sem conseguir curtir a beleza do local, tamanho o cansaço, a fome,
a sede e o excesso de poeira |
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Vinte
quilômetros de buracos depois, chegávamos em Caracol. Almoçamos (jantamos) no
único hotel da cidade. Enquanto comíamos a dona do hotel, curiosa, sentou-se à
mesa conosco para conversar. Disse que estava pensando em fechar o hotel e
abrir um restaurante por quilo, pois raramente aparecia alguém para dormir.
Queríamos tomar um banho, mas a mulher falou que teria de ser de balde e caneca
pois a bomba do poço estava quebrada. Meu Deus, meu reino por um chuveiro
elétrico e lençóis limpos. Eram seis horas e começava a anoitecer. Nosso
próximo destino era o Parque Nac. da Serra das Capivaras. Apesar de estarmos
extremamente cansados resolvemos continuar até São Raimundo Nonato, para dormir
em um hotel mais razoável. Mais noventa quilômetros de estrada de terra. O
cansaço e a vontade de chegar eram tão grandes, que eu perdi a dó do carro,
pisei fundo, dava a impressão que o carro ia desmanchar de tanto que
chacoalhava. Conseguimos chegar e, pasmem, o carro ainda estava inteiro.
Ficamos no hotel Real, e finalmente um pouco de civilização: quarto com ar
condicionado, chuveiro elétrico, tv e frigobar. Banho tomado, saímos para
conhecer a cidade e tomar umas cervejinhas.
No dia seguinte
fomos até o hotel da Fundação do Homem Americano, para contratar um guia para
conhecermos o Parque.
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Dá pra entender porque só é possível a entrada com guias
credenciados, dá a impressão que você está em um museu a céu aberto num país de
primeiro mundo, tamanha a organização. As formações rochosas são muito bonitas
e as pinturas rupestres são impressionantes. As datações mostraram que essas
pinturas foram feitas há aproximadamente 12.000 anos. As encostas onde se
encontram as pinturas, serviam como abrigos naturais, devido à inclinação
negativa das paredes. A vegetação que
circunda o parque é pura caatinga. Estudos comprovaram que há 12.000 anos atrás
nesta região predominava mata atlântica.
No dia seguinte fomos até a cidade de Coronel José Dias conhecer
outros sítios. Na parte da tarde fomos até o Museu do Homem Americano, aliás é
uma visita obrigatória para se entender o que aconteceu no passado nesta
região.
Era hora de pensar no retorno para casa. Resolvemos voltar
pelo litoral, seguimos então em direção a Petrolina passando por Remanso, onde
almoçamos na beira da Barragem de Sobradinho (tem água a perder de vista).
Dormimos em Senhor do Bonfim na Bahia. No outro dia, estrada direto e, as 22
horas estávamos chegando em Itaúnas (Espírito Santo). Curtimos um dia de praia
e no dia seguinte: São Paulo. Depois de 6.700Km rodados, chegávamos em casa. A
Ranger passara no teste, incólume, comprovando ser um carro extremamente
robusto.
Até a próxima...
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