Como comprar um jipe
Alexandre Salaverry
Comprar um jipe é sempre um exercício de paciência. Tem que
se procurar muito, pesquisar, olhar cada detalhe, conversar bem com o
proprietário, para evitar problemas depois.
Não vamos aqui falar de coisas óbvias - como ferrugem, vazamentos de óleo e
água, escapamento "melado" e fumacento - visto que estes detalhes
são facilmente notados.
Como qualquer veículo usado certos cuidados são básicos. Entretanto, por ser
um veículo que proporciona usos diversos e inspira a passeios em locais de
difícil acesso, sua manutenção é algo que deve ser muito bem feita, ou terá
problemas com certeza.
Seja um Samurai, um JPX, um Engesa, um Jeep Willys ou Ford, um Bandeirante, um
Niva, um Pajero, um Vitara ou qualquer outro, os principais componentes precisam
ser criteriosamente analisados.
Vamos dividir em categorias, para facilitar: primeiro, consideramos o carro
parado. Os testes dinâmicos, com o veículo em movimento, serão comentados no
final.
Chassis/Carroceria - Boa
parte dos jipes ainda usa o conceito chassis + carroceria, pois é um
sistema robusto, de fácil manutenção e que permite uma boa variedade de
alterações.
Deve-se observar o alinhamento do chassis, procurando por pequenas trincas e
soldas. Isso indicará uma provável fadiga de material, o que pode comprometer
esse chassis em muito pouco tempo. Os jipes mais antigos com sistema de
suspensão baseado em molas semi-elípticas (o famoso feixe de molas) possuem
chassis do tipo aberto (perfil em "U"), pois ele é praticamente um
componente da suspensão; sendo que em situações críticas ele
"torce" para compensar o pouco curso desse sistema. Em jipes com molas
helicoidais, o chassis é mais rígido, normalmente fechado, não permitindo
torções. Portanto, devemos observar com mais cuidado o chassis
"aberto", especialmente nas regiões próximas à fixação das molas
e jumelos. É aí onde ocorre a maioria das trincas. Um chassis
"fechado", por sua maior rigidez, apresenta menos problemas desse
tipo.
Dos jipes construídos no sistema de monobloco, o Niva possui alguns
pontos que devem ser observados com cuidado, como o local de fixação da
transferência. Devido ao esforço, esse é um ponto onde ocorrem trincas com
relativa facilidade. Não que isso seja comum. Uma boa maneira de verificar isso
- já que a observação pura e simples pode não revelar nada - é checar se as
alavancas de engate do bloqueio de diferencial e de reduzida estão trepidando
muito. Isso costuma ser um indício de trincas no monobloco.
As buchas de fixação da carroceria são outro item a ser observado.
Originalmente, elas são feitas de borracha, porém atualmente muitos
proprietários as substituem por poliuretano, para obter uma maior durabilidade.
Porém, isso tem um preço. O poliuretano, por ser um material mais duro que a
borracha, transfere mais os esforços e trepidações do chassis para a
carroceria, forçando esses pontos a um acentuado esforço, causando muitas
vezes trincas que podem estar encobertas pela própria bucha de fixação. Uma
boa "balançada" pode revelar rangidos "ocultos".
Suspensão - Além da
costumeira "balançadinha" para checar os amortecedores, é
muito importante analisar o estado das molas, sejam elas semi-elípticas
ou helicoidais.
Se o jipe tiver molas semi-elípticas (feixe de molas), observe a sua curvatura.
Se estiver quase reta, com os jumelos abertos, significa que o feixe está
"cansado". Muitas vezes apenas uma rearqueada resolve. Por outro lado,
lâminas muito arqueadas deixam a suspensão dura. Um meio termo é sempre o
melhor. O estado geral das lâminas pode ajudar a definir se vale a pena
rearquear ou não. Lâminas muito gastas correm o risco de se partir num
esforço maior. As garras que abraçam o feixe devem estas bem ajustadas, sem
espaços entre elas e as molas - isso permite jogo no feixe, aumentando o
desgaste e os rangidos. Observe os jumelos e as buchas. Algumas
necessitam lubrificação e, se estiverem secas, podem estar há muito sem os
cuidados necessários, o que, fatalmente irá causar problemas muito em breve.
Balance o jipe de lado a lado e verifique se não existe folga nos jumelos. Essas
folgas normalmente causam o conhecido "Shimmy" (trepidação do
sistema de direção após um buraco ou em velocidades específicas).
Em conjuntos helicoidais, observe se não há marcas entre os elos das molas;
isso indica molas cansadas, batendo os elos.
Observe as buchas nos braços e barras da suspensão, e nas bandejas (se
houverem).
Verificar os amortecedores é simples. Se não estiverem vazando e
estiverem cumprindo seu papel, que é o de amortecer o movimento pendular das
molas, tudo bem.
Uma última olhada no alinhamento horizontal geral do carro, para ver se
não tem nenhum lado mais alto do que outro e pronto.
Motor - Primeiro abra o
capô e observe o aspecto geral do conjunto motriz. Procure por
vazamentos. Manchas ferruginosas próximas à bomba d'água e elementos
do arrefecimento indicam que está vazando, ou já vazou. Cuidado.
Vazamentos de óleo na parte superior do motor podem indicar apenas uma junta
defeituosa. Nada muito complicado, mas pode significar problemas maiores.
Observe o conjunto de alimentação (bomba de gasolina, carburador,
filtros e mangueiras); vazamentos aí podem ser perigosos. Um carburador com aparência suja, pode indicar pouca manutenção.
Observe junto aos coletores de escape se não tem manchas escuras, que
indicam vazamentos de gases. Verifique se os coxins estão em ordem e
ligue o motor. Muita fumaça logo de cara pode indicar folga nos anéis. O motor
deve se manter em marcha lenta sem engasgar e sem variar de rotação. Acelere
forte e escute se sobe de giro de forma constante e se não ocorrem
"pipocos" no escapamento, o que indicaria algum furo no sistema de
exaustão. A normalização da rotação deve ocorrer suavemente e estabilizar
na marcha lenta.
Se tiver servo-freio, pise no pedal e veja se o motor não morre.
Ar-condicionado e direção hidráulica também devem ser testadas com o motor
em marcha lenta. O motor deve perder um pouco de giro, mas não pode morrer.
Acelere lentamente, observando se o giro do motor sobe de forma suave. Se tiver
ventoinha elétrica, observe a temperatura da água quando ela começar a
funcionar e quando parar. Apure o ouvido e fique atento a "clancs" e
"troks-troks".
Transmissão - Comece com
uma boa olhada nos diferenciais, câmbio, tração e reduzida, eixos e cardãs à procura de vazamentos. Em carros que não
utilizam eixo rígido, observe as coifas das juntas homocinéticas. Uma chacoalhada
nos cardãs ajuda a verificar as possíveis folgas. Se tiver roda-livre,
acione-a para checar se engata com suavidade. Se possível levante o carro,
coloque o engate de tração em neutro e gire uma das rodas com as mãos,
checando se o diferencial está em ordem. A roda deve girar um pouco (bem
pouco!) até que o diferencial faça uma suave "clunk" e comece a
girar o cardã. Faça o mesmo tanto na dianteira quanto na traseira. Na
dianteira, lembre-se de engatar as duas rodas-livres antes do teste. Aproveite
que as rodas estão no ar e, segurando no ponto mais alto e mais baixo da roda,
force-a para frente e para trás. Se ocorrer alguma oscilação, isso indica que
existem folga nos rolamentos de roda, que podem estar apenas mal ajustados ou
defeituosos.
Direção - A primeira
verificação deve ser a folga. Qualquer coisa acima de 1/16 de volta é
para se ter cuidado. Observe os pivôs nas barras de direção, barra
estabilizadora (se houver) e terminais de roda. Esterce a direção
para cada lado checando o número de voltas e se o volante não fica duro.
Observe se os pneus não encostam em nenhum ponto da carroceria ou conjunto de
suspensão. Verifique o desgaste dos pneus, para detectar algum desalinhamento.
Em jipes de eixo dianteiro rígido não existe ajuste de Caster (inclinação
das rodas); portanto, se houver um desgaste irregular na banda de rodagem, pode
significar algum problema no eixo dianteiro ou nos munhões.
Elétrica - A parte
elétrica de um jipe é sempre um ponto crítico. Visto estarem em contato com
água e lama e não serem exatamente blindados, os fios e conexões sofrem muito desgaste. Para verificar o estado geral do sistema, começamos por
uma inspeção visual. Pontas de fita isolante soltas indicam que a isolação
naquele ponto não foi bem feita, ou foi usada fita de baixa qualidade. Em ambos
os casos deve ser refeita. Verifique se os fusíveis estão corretamente
instalados, acenda todas as luzes e toque a fiação para ver se não há pontos
quentes, o que significa mal contato. Se o veículo possuir voltímetro e/ou amperímetro confira seu funcionamento. Com o motor desligado,
acenda os faróis e verifique sua intensidade. Dê a partida e veja se o
brilho aumenta. Se for uma variação muito grande, a bateria pode estar
com problemas, ou o alternador não a está carregando corretamente.
O motor de arranque é outro ponto a ser cuidadosamente verificado pois
fica muito exposto à lama e água.
Pequenos problemas elétricos não necessariamente invalidam uma compra, pois
são de fácil solução. Mas quando observados, permitem uma negociação no
preço.
Freios - Cuidados extras
devem ser tomados com este sistema pois um jipe é sempre um veículo pesado e
quando os freios falham o estrago é maior, especialmente no Porshe à sua
frente...
Muitos proprietários têm adaptado sistemas de freios à disco na dianteira,
para melhorar a segurança. Atitude correta e louvável, mas que deve ser muito
bem feita.
Se esse for o caso, verifique se foi usado um kit de adaptação pré-existente,
ou se foi feita alguma adaptação de outro veículo. Muitas vezes o sistema é
superestimado e o veículo passa a travar as rodas com relativa facilidade. Uma
olhada nas pastilhas e discos para ver se não há desgastes
irregulares, uma "bombadinha" no pedal para ver se ele está firme (e
não duro) e vá testar rodando. Escolha uma rua reta, mais lisa possível e com
pouco trânsito. Rode um pouco e freie forte, para sentir se não
"puxa" para os lados e se não trava as rodas.
Finalmente, procure obter o maior número de informações
possíveis de tudo o que foi feito no veículo. Se houver alguma
adaptação, pergunte como ou por quem foi feita e de qual veículo se
originaram as peças. Isso ajudará bastante na hora de alguma troca ou para
fazer a manutenção. |