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Piloto de primeira viagem

Luiz Otávio de Lima Rodrigues

Estava eu triste assistindo uma aula chata de Java na faculdade, achando que seria mais um final de semana sonhando com trilhas sem conseguir fazer uma só. Antes tudo bem, pois o Pikachu (meu Jeep 70) estava precisando de alguns reparos, de roda livre nova, soldar o escapamento e regulagem no carburador. Mas isso estava pronto há duas semanas e nada. Não conseguia saber de uma trilha. Quando de repente, no meio da aula me deu um estalo para verificar meus e-mails, já que o laboratório em que eu estava tem acesso à Internet e não custava nada. E pronto, para minha surpresa tinha um e-mail me respondendo que o pessoal da Jipenet tinha combinado uma trilha! Ponto de encontro um posto de gasolina perto de casa, horário de encontro 8h30 da manhã.

A questão agora era organizar tudo, só que tinha dois probleminhas; o primeiro é que eram 22h00 e eu estava na faculdade, só ia chegar em casa às 23h00 aproximadamente e nem sabia o que levar na trilha. O segundo era saber se minha namorada e companheira toparia a aventura. Resolvi ligar para ela, falei da trilha, ela topou na hora, pois também estava querendo saber o que era uma trilha de verdade. Marquei com ela às 8h00 na minha casa para que ela me acordasse (vida boa, não? hehehe). Quando cheguei em casa fiquei pensando no que levar. A parte mecânica estava ok, já que tinha arrumado o Jeep há algum tempo. Bom, resolvi dormir para chegar logo o sábado e ir para minha primeira trilha. O problema foi à ansiedade, já eram 3h00 e nada.

De repente lá estava eu passando em um lamaçal gigantesco, o Pikachu arrebentando, quando de repente eu ouço "Vamos, seu preguiçoso! Tá na hora!". Era minha namorada me acordando, infelizmente era só eu sonhando ainda... Pulei da cama e me arrumei rapidinho, tão rápido que só levei uma mochila com roupa extra (que na verdade nem eu sei por que levei!). Montei no Jeep eu e minha namorada e corremos para lá, um pouco entristecidos pela derrota do futebol masculino do Brasil nas olimpíadas, mas loucos para enfrentar a primeira trilha.

Chegamos ao posto cerca de 15 minutos atrasados, vi uma porção de jipes, uns 18 mais ou menos, todos no posto abastecendo, entrei e mandei encher o tanque do Jeep, estava morrendo de sem graça, pois não conhecia ninguém. Enquanto descia do Jeep, minha namorada foi comprar alguma coisa para beber e comer na trilha, já que tinha esquecido de tudo. De cara encontrei um camarada que me perguntou se mergulhava, por causa de um adesivo que tenho colado no Jeep, respondi que não e pronto, já tinha alguém para conversar e perguntar da trilha. Perguntei a ele se a trilha era leve, ele me disse que sim que se tivesse com a tração ok daria para fazer a trilha sem problemas. Também reparei que tinha um pessoal de uma TV que iria junto, fiquei receoso de passar vergonha na trilha, mas tudo bem, nada que pudesse me fazer desistir, afinal estava esperando há muito tempo por essa oportunidade!

Terminei de encher o tanque e conversar com o mergulhador, que me deu uns toques de um bom curso de mergulho aqui em Brasília e fui para a fila no acostamento da rua em frente ao posto para formação do comboio. Lá comecei a ficar nervoso, pois o pessoal da TV estava me filmando, acho que me confundiram com alguém experiente, se soubessem que era novato... Na minha frente nada mais nada menos que King, o jipinho Branco do Marcos, um conhecido da Jipenet! Atrás de mim tinha uma Pajerinho azul de um senhor de barba e um amigo que fumava um cachimbo com o fumo muito cheiroso no banco do passageiro; ele me deu as melhores dicas de toda a trilha. Com essas dicas eu conseguiria chegar até o final da trilha sem problema nenhum.

Nervosismo à parte o comboio começou a andar. Finalmente iria começar o que eu estava querendo por muito tempo! Trilha! Agora eu iria ver do que meu Jeep era capaz. Eu sabia que a trilha ia ser leve, então sabia que meu Jeep seria capaz de muito mais. Bom, voltando ao que interessa, o comboio andou até um canto perto da barragem do lago Paranoá. Lá o pessoal entrou num caminho cheio de cascalho, paramos para a equipe da TV que nos acompanhava fazer umas entrevistas e ligarmos a roda livre. Nesse ponto conversei com o Marcos, que é o dono do King. Ele me disse para ficar tranquilo, mas não adiantou muito... Eu estava ansioso para caramba.

Novamente começamos a andar dessa vez para o primeiro obstáculo, uma pequena descida com erosões em um ângulo acentuado. Primeira reduzida engatada e lá fui eu! Foi fantástico, o Jeep parecia estar feliz em ver aquele obstáculo, parecia se guiar sozinho, o dono do Niva branco número 99 estava lá para guiar os jipeiros pela trilha, ficou mais fácil ainda! Passei com certa facilidade e tranquilo, já minha namorada ficou com medo, pois em um ponto da descida meu jipe inclinou muito para o lado dela - que viu o chão bem de perto. Passada a erosão, nos encontrávamos atrás da barragem, onde tem alguns lamaçais e um pequeno córrego. Nessa hora eu gelei. Pensei que iria atolar e passar a maior vergonha. Passei um pequeno facão com um pouco de lama com facilidade e então surgiu o primeiro lamaçal. Uma poça onde o Jeep poderia afundar um pouco! Passei jogando lama para todo lado, uma felicidade só! Agora eu estava feliz e radiante! O pessoal veio me perguntar com eu estava e a frase para resumir foi "A primeira lama a gente nunca esquece!".

O pessoal da TV estava filmando tudo quando lembrei que havia esquecido minha câmera fotográfica. Iria ficar sem a recordação da minha primeira trilha. Uma pena. Continuamos e, logo em seguida, um pequeno rio para fazer a travessia; o nível da água estava a um palmo abaixo do capô. Pensei comigo, agora estou enrascado, meu Jeep não tem preparação nenhuma para água. O pessoal falou "vai lá que dá para passar!". Engatei a primeira, acelerei e entrei na água, sem muita velocidade - o giro do motor caiu um pouco - achei que era ali o meu vexame! Quando vi, estava andando numa boa pelo rio. Atravessei radiante! Comemorando mais que tudo. Terceiro obstáculo e passei tranquilo. Maravilha!

Mais uma parada, conheci o Osvaldo, sócio 001 do Jeep Clube de Brasília. Figuraça! Muito tranquilo e gente boa. Seu Jeep 1975 em perfeito estado e um motorzão seis bocas 250S de Opala fazia a trilha parecer coisa de criança. Todo mundo conversando enquanto todos passavam pelo riozinho. Continuamos subindo pela trilha, num caminho cheio de cascalho para pegar um pequeno deslocamento ate a fazenda Taboquinha, aonde faríamos o restante da trilha. No caminho, o Troller do Chico (outro camarada muito gente boa) queimou a cebolinha. Paramos uns seis jipes para o pessoal ajudar no conserto. Estávamos todos lá, o senhor da Pajerinho fuçando no motor, quando alguém pediu um terminal elétrico; achei que alguém teria então fui ao meu Jeep e peguei o que tinha, caso precisassem. Quando vi que ninguém tinha, entreguei o meu. Foi quando um membro da Jipenet falou "Ah não, olha o novato! Essa vai para a Jipenet!". Achei legal o companheirismo nessa hora, muito legal mesmo!

Jipe consertado, continuamos na trilha. Passamos o deslocamento no asfalto e chegamos 'a fazenda Taboquinha. Um pequeno caminho no meio da terra e chegamos ao primeiro obstáculo, uma pirambeira gigantesca! Já tinha ouvido falar que era perigosa e que alguns jipes já tinham rolado ribanceira abaixo. A adrenalina realmente começou a rolar quando um jipeiro, o ultimo do comboio que estava com um rádio virou para mim e disse "-Não era bom você fazer essa subida na sua primeira trilha, ela é perigosa. Mas já que você esta aqui...". Deixei todos passarem - inclusive o Tiago, um amigo meu num Toyota Bandeirante. Ele me deu a dica para subir em primeira reduzida com o giro alto e foi para subida dele.

O senhor da Pajerinho me deu a melhor dica da trilha: "-Ouça somente um, não tente fazer o que todo mundo diz, escolha um conselho e siga aquele". Subiu e parou no meio da pirambeira, acelerou e conseguiu subir, mas com um esforço extremo. Todos subiram, faltando eu e o último da fila. Coração a mil, apontei na subida e acelerei. O Jeep foi subindo e o ângulo aumentando. Quando chegou no momento mais extremo, o Jeep começou a patinar. Nessa hora todo mundo já sabia que era minha primeira trilha; estavam todos olhando para mim (inclusive a TV filmando). Virei o volante para os lados na intenção de aumentar a tração; o Jeep ganhou fôlego e subiu toda a pirambeira!

Ai foi a festa! Todos comemoraram muito e vieram falar comigo. Um jipeiro (com a mão no meu peito tirando a pulsação) falou "-O coração dele vai pular pela boca!". E realmente ia. Ali havia sido o ápice do nervosismo, tremia mais que vara de bambu nova ao vento! O senhor da Pajerinho veio falando "- Agora você é realmente um jipeiro!". Realmente, a partir dali, eu tinha passado em um obstáculo que todos falaram que era muito difícil e o melhor: não tinha acabado ainda! Tinha mais trilha pela frente - o rio Taboquinha - com uma subida em argila na beira do rio. Lama de primeira.

Continuamos na trilha. Mais uma pirambeira (esta não tão grande), com alguns motoqueiros fazendo um passeio pela região também. Passamos sem grandes dificuldades e continuamos na trilha. A essa altura eu já estava radiante e feliz; se a trilha terminasse ali eu estaria mais feliz que criança em fábrica de chocolate! Continuamos e chegamos a mais uma travessia de um rio; só que este tinha uma entrada em areia e saía em um barranco que parecia sabão. Entrei no rio e atravessei com certa facilidade, chegando ao barranco de saída. Nessa hora vi o jipe do Osvaldo (que é extremamente preparado) patinar e voltar, só conseguindo passar na segunda tentativa. Subiu um Niva e uma Rural, aí chegou minha vez. Tomei distância, engatei a primeira reduzida e fui. O Jeep subiu, patinou, jogou lama para tudo quanto é lado e começou a deslizar de volta; pisei no freio com um pouco de medo, mas nada de mais aconteceu. Peguei distância, entrei de novo e dessa vez o Jeep patinando começou a descer. Não parei de acelerar um segundo mas não adiantou, não deu para o Jeep.

Foi quando o dono da Rural falou para eu tentar de segunda reduzida - pois o Jeep pegaria mais embalo e passaria. Foi o que fiz. Engatei a segunda reduzida, peguei distância e fui! O Jeep foi forte, subiu e no finalzinho quis deslizar de volta; movimentando o volante para os lados consegui tração e terminei a subida. Naquela hora estava mais do que feliz, pois havia enfrentado erosões, pirambeiras, lama, rio e barrancos. Era finalmente um jipeiro.

 Estava cansado, com a mão esfolada por causa do volante, braço doendo pelos trancos recebidos, mas completamente realizado, pois fui a lugares privilegiados em boa companhia. Minha namorada estava linda e imunda com a poeira e a lama que espirrara nos obstáculos, mas feliz por estar ali comigo. Foi então que percebi o que realmente é ser jipeiro, o espírito de união, a diversão, o desafio, a superação... É realmente fantástico. Ali realmente me apaixonei por esse esporte fantástico. 

Para terminar, o pessoal ficou na fazenda Taboquinha, que tem um almoço caseiro muito bom. Ouvimos as tantas histórias dos jipeiros, inclusive as minhas. Depois do fantástico almoço voltei para casa cansado e feliz, agora sabendo o que os jipeiros querem dizer com essa frase, pois só sabe quem passou por algo assim.

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