Diário de bordo
Robson Spadoni
15 de julho de 2002
Esse diário tem como finalidade registrar algumas impressões
dos raids que participamos. Bem, tudo começou há uns 15 anos atrás, quando
meu pai comprou um jeep verde calcinha. Na época eu tinha uns 15 anos (meu
deus, estou ficando velho...) e foi paixão à primeira vista. Ele era todo
original, dos pneus a capota de lona quadrada. Tem uma história interessante,
um dia eu lavei todo o jeep, passei pneu pretinho, aspirador de pó, coloquei óculos
escuros e fui dar a famosa voltinha no quarteirão, daquelas que só os
adolescentes que lavam carros e vão dar uma voltinha sabem qual é. No meio do
trajeto, armou uma daquelas tempestades de verão - aquelas chuvas que chegam de
repente e somem na mesma velocidade - que me pegou no meio do caminho. Não
preciso dizer que cheguei TODO molhado e quando estacionei o jeep em casa a
chuva passou. Meu pai, mãe e irmã estavam na janela esperando eu chegar para
tirar um sarro. Bons tempos.
Pintamos o jeep de vermelho cereja, uma cor em moda na época,
com as rodas e interior pretos. Ele ficou com cara de mau, colocamos um banco de
pick up na frente e pronto, ele estava perfeito, ideal para um garoto de 15 anos
brincar. Esqueci de dizer: ele era 6 cilindros e câmbio de 3 marchas. Aquele
jeep era engraçado, a cada dez saídas, oito ele voltava rebocado. Os jeeps são
assim mesmo, sentimentais.
Bem, o fato é que eu tive o carro certo na época errada, não
tinha grana para bancar o jeep e quando a situação apertou em casa, adeus
jipinho. Foi duro de suportar a separação.
O tempo passou, mais precisamente 15 anos se passaram da minha separação com o
jeep, mas o sentimento, o amor sempre ficou guardado e bastava ver uma foto ou
algum raid na televisão que os sentimentos afloravam e vinham na minha mente as
cenas da chuva, do reboque e de toda gasolina que ele consumia. O amor é uma
coisa estranha, inexplicável.
Muita coisa aconteceu na minha vida nesse tempo todo, mudei de
emprego algumas vezes, casei, mudei de casa, o Collor sofreu o impeachiment , a
inflação foi dominada, o presidente foi reeleito, caiu o muro de Berlim, a União
Soviética já não era tão unida assim, ganhamos o tetra e o penta campeonato
mundial, a internet chegou com a velocidade do vento, o mundo se globalizou...
mas o amor pelo jeep continuava firme, forte e rijo.
Dia desses, o meu sócio - sim eu abri uma empresa - disse que queria vender um
velho Willys, ano 58, que estava em boa forma. Ele estava com o jeep há 10 anos
e que estava na hora da separação. Lembrei dos meus sentimentos e de toda
expectativa em relação ao jeep e resolvi comprar o ADRENALINAH, um jeep willys
58, azul metálico. Foi como reencontrar um velho amor.
Fazia uns 4 meses que tinha comprado o jeep e não tinha tida a oportunidade de
fazer uma trilha com ele, sempre faltava alguma coisa: dinheiro, tempo, preparação,
conhecimento. Em algumas vezes era uma coisa ou outra, em outras vezes era tudo
junto, até que um dia consegui reunir todas as coisas e fui fazer finalmente um
raid, depois de 15 anos de expectativa.
Tudo começou quando uma amiga minha, navegadora de rallye de regularidade,
falou que haveria um raid em algum lugar e eu comecei a amadurecer a idéia. Fui
atrás da informação e cheguei no site do Jeep Clube do Brasil e vi que
aconteceria o 13º Raid de Inverno. Convidei mais 3 amigos meus para a aventura
- para rachar as despesas e a emoção - e fizemos a inscrição. Pronto a
aventura estava armada.
Na semana que antecedeu o raid foi muito divertida, nos falávamos diariamente
para acertar os detalhes, qual seria a colaboração de cada um, onde nos
encontraríamos, o que precisavam levar, etc, etc, etc. depois de tudo isso,
veio a preparação do jeep, os últimos acertos na parte elétrica e mecânica,
uma última passada no jipebrás - o shopping do jipeiro - para comprar peças
sobressalentes e cinta de roboque e pronto. Raid de inverno aqui vamos nós.
Era uma Quinta feira chuvosa, dia 13 de julho, quando
aconteceu a largada promocional no Ibirapuera, tradicional ponto de encontro de
jipeiros. Combinamos de nos encontrarmos lá e a adrenalina já estava subindo.
Chegando no stand do Jeep Clube, confirmei a inscrição e recebi as camisetas (nosso
verdadeiro troféu), os adesivos e o regulamento da prova e o tão sonhado número
de largada: 9. Ficamos adesivando o jeep por quase 1 hora e essa é a parte mais
chata.
Com os adesivos colocados e, modéstia a parte o meu jeep era o mais bonito, fui
alinhar para subir a rampa da largada promocional, tirar fotos e curtir aquele
momento que eu esperava há 15 anos. Alinhei o jeep na rampa, o chão estava
molhado, a noite fria e as minhas mãos suando. O cara de cima da rampa me
orientava no alinhamento do carro na rampa, coloquei a tração 4X4, engatei a
primeira e... o jeep não subiu, as rodas patinaram na rampa molhada. Uma grande
gritaria em volta da gente, alguns assobiando, outros gritando e eu roxo de
vergonha. Mas não deixei-me abater, engatei a reduzida e tentei novamente, aí
sim, com mais força e menos velocidade, ele subiu dócil e obediente a rampa e
finalmente eu pude desfrutar da minha primeira largada. Desci a rampa com a
sensação de ser o Klever Kolberg.
Na noite que antecedeu a largada propriamente dita foi terrível, ficamos fuçando
o jeep até às 2h00 da manhã, arrumando as coisas dentro dele, amarrando caixa
de ferramentas, mochilas, macaco hidráulico, bolachas, kit de primeiros
socorros, machado e facão(?), entre outros, adesivar os capacetes, verificar óleo,
tração, etc, etc, etc. Ufa! Às 2h00 terminamos, fui para casa, tomei um banho
e... não dormi até às 5h00, quando estava na hora de levantar para ir pegar o
jeep e o pessoal para a nossa aventura.
6h00 da matina, pé na estrada rumo à Fernão Dias, local de
largada marcado pela direção de prova. Tivemos alguns problemas para chegar lá,
pois não havia a referência kilométrica da Fernão. O que fiz eu? Fui até
Mairiporã. Chegando lá, entramos em um posto e perguntamos se ele conhecia um
tal de posto 555, ao lado do Clark's Motel. Ele deu uma risada e disse que o
posto e o motel ficavam no COMEÇO da rodovia, ou seja, em GUARULHOS. Erramos só
uns 65 km. Que belo começo.
Tivemos que voltar tudo e finalmente encontramos o local da largada. Muita emoção
ao ver todos os jeeps juntos, deveria ter uns 60 carros. Algumas fotos e pose de
jipeiro veterano, imagine que até demos uns "toques" para uma dupla
de estreantes.
Finalmente a largada. o navegador indicando o caminho, os
zequinhas inquietos e eu com uma satisfação do tamanho do mundo, estava
realizando um sonho muito antigo. Primeira referência e passamos por um posto
de checagem, ganhamos os tíquetes de almoço e pé na estrada de terra na boléia
de um jeep, foi assim.
O resto do raid foi MUITO melhor do que eu imaginei, muitos barrancos, lama,
patinadas, atoleiros. O velho Willys enfrentou tudo, sem reclamar e com muita
valentia. Pra dizer a verdade, não sei qual foi a classificação que pegamos,
mas isso definitivamente não importa. O meu maior troféu foi ter completado a
prova.
Cheguei em casa detonado, guardei o Adrenalinah na garagem,
todo sujo, cheio de lama. Antes de apagar a luz dei uma última olhada nele e
percebi uma pontinha de sorriso que surgia na ponta do para choque dianteiro e
de soslaio vi uma piscadela dele como quem diz "missão cumprida". |